sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Uma breve história do Atacama.




Estou sentado na porta da casa da Señora Victorina em Las Flores, escrevendo a ajustando o blog,  Hoje o dia foi fantástico e em algumas horas eu publico a narrativa e coloco ordem nas fotos...


Enquanto isso, vamos tratar de outro assunto...


Meu plano para estes dias é de andar pela parte desértica da Argentina. Daí todos perguntam: "Você vai ao Atacama?" 

Eu tinha este texto pronto há tempos, para ser publicado em mais uma passagem pelo deserto argentino/chileno...  este texto se encaixa perfeitamente para ilustrar minhas andanças em 2017. Afinal mas duas etapas daquele ano eu me dediquei ao deserto alto seco gelado me empoeirado, lugares atacamenses ou não...

Falar em "Atacama" é como falar em "Amazônia" ou "Patagônia". Não ha uma definição clara de onde a coisa começa e termina. Eu gostaria de chamar de Atacama somente os trechos de deserto no Chile,  planos e formados pela decomposição de cordilheiras paralelas (vide postagem dia 23 dez 2011). 

Mas esta não é a pratica comum. Quem foi à região desértica ao sul da Bolívia e ao norte de Mendoza na Argentina diz que " foi ao Atacama". O que não é uma denominação correta para aqueles lugares, vamos saber por que...


 Acima: O vale onde fica San Pedro de Atacama (...este sim fica no Atacama...) foi formado pelo acúmulo dos detritos que se soltaram da decomposição das cordilheiras altas. Esta foto foi tirada olhando para oeste, cerca de 1.500m acima da cidade. Note a cadeia de montanhas além do vale, no caminho para o oceano pacífico. (foto tirada em 26 dezembro 2011)

Abaixo: Uma visão típica de um vale no deserto. Este lugar se formou com o depósito de material que saiu das montanhas mais altas. Levou alguns milhões de anos... (foto tirada em 26 dezembro 2011)












































Quando os Andes se formaram, a região que está entre o norte de Santiago do Chile e ao sul de Cuzco no Peru foi formada pelo levantamento do terreno na parte oeste. Este levantamento causou uma fratura na parte leste da placa continental. Por esta fratura o magma subiu à superfície formando, através de intensa atividade vulcânica, uma segunda e muito alta formação a leste, paralela com a cordilheira a oeste. Resumindo: Uma sucessão de cadeias paralelas, longas no sentido norte- sul.

Se estudarmos a cordilheira na latitude de Antofagasta, teremos:

- O oceano pacífico a oeste

- A serra costeira, de rochas sedimentares e elevação máxima de 3.000m, seguido de formações muito altas de rochas também sedimentares (estas rochas se decompoem facilmente em areia)- Rabiscado em amarelo no mapa.

- Os altiplanos (os vales formados pelos detritos) onde ocorrem os salares e lagunas. - Rabiscado em Laranja no mapa.

- Formações muito altas com muitas rochas vulcânicas (com vários vulcões ativos); - Rabiscado em vermelho no mapa.

- Algumas formações pré-cordilheira (veja dia 25 de dezembro de 2010, março e novembro de 2017) - Rabiscado em azul no mapa.

- A extensa planície argentina (onde fica o Chaco) que se estende pelo leste até a fronteira com o Brasil. Em verde no mapa.

























































Os dois blocos centrais da cordilheira formaram uma série de imensos vales, e durante milhões de anos estes vales foram sendo preenchidos por sedimentos ou areia da decomposição das rochas, formando imensos planaltos acima de 3.500m de altitude. É em uma destas regiões altas, de clima traiçoeiro e de fauna e flora únicos, é que se formou o segundo maior altiplano no planeta e o mais alto e árido deserto: o Atacama





 Acima: Um típico vale atacamense. (região ao sul de Antogfagasta), foto tirada a cerca de 2.500m de altitude. Note as montanhas de rochas sedimentares e o vale composto dos sedimentos que saíram das partes altas. (foto tirada em 29 dezembro 2011)



Segundo o professor Herrique Cortés do Archivo de Indias en Sevilla, consta no livro Pueblos del Norte Florido, que o nome seria proveniente da língua dos Quéchua , que chamavam o lugar de Tercuman, que quer dizer "grande confim,  até onde se alcança a vista". Tanto os Incas quanto os Quollas e os Mapuches sabiam que não valia nada se arriscar para dentro daquela região. 

Não havia nada lá e as lagoas eram de água envenenada. Os Incas usaram seus vulcões para cerimonias religiosas (leia-se sacrificio de crianças, procure na net: Museu Alta montanha, Salta) (neste blog março e novembro de 2017) e o facínora Diego de Almagro entrou nesta região para uma das mais trágicas expedições militares na história deste continente (vide postagem "entrando en Nova Toledo").





  
Parece mas não é...   Acima: com formação geológica idêntica ao salar que existe em San Padro de Atacama, este é o Salar Grande, perto de Susques na província de Jujuy (foto tirada em 25 dezembro 2011)

Abaixo:  Altiplano no Paso da Jama cerca de 4.000m altiude, esta região se chama Puna Jujeña, este é o trevo da Rn 52( paso de Jama) com a RN40. Ao norte, no final destas montanhas fica o oásis de Abra Pampa e 70km depois a fronteira com a Bolivia. (foto tirada em 25 dezembro 2011)








Neste lugar chove e  muito! Acima: O Salar Grande todo alagado, na Puna Jujeña  (foto tirada em 25 dezembro 2011) 

Abaixo:  Puna Jujeña? não, Atacama mesmo... O altiplano no parque Nevado Tres Cruces é marcado pelo impressionante Salar de Maricunga(3.760m altitude), no caminho para o Paso de San Francisco. O pico alto na foto é o vulcão Copiapó (alt.: 6.052m) (fotos tiradas em 31 dezembro 2011)







Na parte central da cordilheira, em sua borda leste (na latitude de Copiapó no Chile), existe a maior concentração de vulcões ativos ou não neste planeta, conhecida como Plaza de Vulcones. Passei por esta exótica plaza no dia 31 de dezembro de 2011 e em março de 2017.

Ao mesmo tempo em que Inti  brilha sem dó sobre o solo rochoso, sobre salares e vulções, algo de curioso acontece no oceano: Da antártica se desprende uma corrente marítima chamada corrente de Humboldt. Esta corrente sobe ao longo de toda a costa oeste sul americana indo até as Galápagos. 

O que ela tem a ver com nossa viagem? 

Nesta corrente a água é gelada e não evapora nada. Portanto os ventos que veem do oceano trazem muito pouca umidade. Este pouco que chega se condensa como nevoeiro na serra costeira, ou se congela nos altos picos (formando os delicados glaciares e os  Penitentes) ou causa tempestades de neve no inverno quando encontram as serras . Chove quase nada pela região litoranea da cordilheira que fica ao sul do Peru e ao norte de Santiago do Chile.

O que se chama de altiplano são as áreas entre as cordilheiras mais altas, acontece acima de 3.500m de altitude (vale lembrar que apenas 2,8%  das terras no nosso planeta está acima de 4.000m e 1,2%  entre 4.000 e 5.000m).  Durante o verão os dias ensolarados trazem temperaturas próximas dos 15°C  mas durante as noites as temperaturas raramente vão acima de zero grau, sendo a média noturna algo como -10°C. 

Ao contrário do que os “pesquisadores” das TV a cabo declaram, nas partes altas do Atacama chove durante o verão e quando o sol se põe a coisa toda congela. É o que chamam de “Invierno Altiplanico”.  Qualquer Brasileiro que não more na grande São Paulo reconhecerá rapidamente os sinais de chuva na areia ou no solo, só os cientistas do Discovery Channel e da rede globo não percebem isso.

A falta de umidade, a total inconstância do clima durante o verão, o excesso de radiação solar, o gelo durante o inverno e a elevada altitude, fazem da vida por ali um verdadeiro desafio. Existem plantas e animais exclusivos desta região, cada um adaptado à sua maneira para sobreviver com pouco oxigênio, pouco calor, pouca vegetação e quase nenhum solo. 

É um lugar mais do que exótico, mais do que raro e dominado por um Deus inclemente.

Nos últimos mil anos tem desafiado e frustrado as tentativas do ser humano em dominá-lo ou conquistá-lo.





The desert is the theater of the human struggle of searching for God.- JAN MAJERNIK





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