quinta-feira, 24 de abril de 2014

O Zen e arte de manutenção das motocicletas... Revendo um clássico dos anos 70


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Em 1974 um certo Robert Pirsig, professor universitário, publicou em 1974 a sua grande obra: “O Zen e a arte de manutenção de  motocicletas”.

Pirsig descreve em uma simples e objetiva narrativa, uma viagem de motocicleta de cerca de 17 dias saindo de Minessota e chegando à California. A viagem foi feita pelo autor com seu filho Chris na garupa de uma Honda CB77 e um casal de amigos em uma BMW R60/2. 

O livro tenta narrar a viagem como uma Chautauqua. Chautauquas eram circos ambulantes que  percorriam o centro oeste americano na década de 20, sua atrações eram baseadas em fatos corriqueiros da vida ou fatos recentes de noticiário. Uma mistura de circo com Jornal Nacional ambulante. O texto então fica pontuado de percepções filosoficas ou científicas, além de contar sobre a crise que Pirsig teve enquanto lecionava e tentar definir o que é qualidade e seus valores.


Robert Pirsig, Chis, a CB77 e toda a mudança...



Fundamental mencionar aqui que em sua introdução, Pirsig explica que, apesar do seu título "não deverá, em caso algum, ser associada a essa grande massa de informações factuais relativas a ortodoxia da prática budista e tampouco é muito preciso em relação à manutenção de motocicletas". E depois o livro segue na exploração de qualidade em metafísica, da não-intelectualização, do Zen como visualização direta do universo.  E sinceramente: muito bláblá blá.

Criei este capítulo por que nos anos oitenta foi moda ler e mencionar este livro.  Quem não o leu estava absolutamente alienado. Todos os viajantes de motocicleta ou quem sonhava em um dia comprar uma moto ou um Toyota Bandeirante para viajar , inevitavelmente caía em repetir parágrafos do livro como se fossem mantras.  

Veio a Internet, as Harleye as BMW começaram a ser fabricadas em Manaus e o livro caiu no esquecimento. Alias...  São poucos o que realmente leem livros!

Me lembro muito bem que li este livro lá pelos idos de 1988. Naquela época eu nem cogitava ter uma motocicleta (embora viajasse muito de carro...) e várias coisas que foram escritas ali me fascinaram. 

Fiquei curioso para saber mais sobre a paisagem, sobre os lugares em que ele passou. Fiquei muito mais intrigado pelas chautauquas mecânicas e geográficas do que pelo blá blá blá filosófico. Era cool mostrar que estava lendo aquilo... 

Então, nos anos entre as minhas duas primeiras etapas, eu decidi ler mais uma vez ler a tal obra que era considerada fundamental. 

A primeira coisa que me irritou muito na re-leitura do clássico americano foi a implicância que ele tem com seu amigo. No romance seu amigo John anda em uma BMW R60/2 (uma das motos mais caras e sofisticadas daquela época - eu adoro esta moto!) e se recusa saber como ela funciona. Simplesmente espera que ela cumpra seu papel, coisa que a elegante máquina faz com garbo e sem nenhuma crise. 

Pirsig, que anda em uma Honda totalmente inapropriada para uma viagem a dois (lotada de muita bagagem), passsa grande parte do tempo lidando com problemas mecânicos que ele diagnostica e resolve usando suas habilidades lógicas, ou Zen, para solução de problemas. 

Entendo que Pirsig desdenha o companheiro por que a BMW funciona e a sua Honda causa os mais variados enguiços.



























Chis, o casal de amigos e a superlativa BMW R60.




Eu realmente acredito que os enguiços da Honda CB77 (305cc, 2 cilindros, quatro tempos) eram causados pelo própio piloto: ele mesmo se dispunha a concertar tudo enquanto carregava seu filho e o gigantesco farnel. A lista de coisas que ele carregava me fez rir. Bugigangas totalmente inúteis para alguém como eu. Barracas, fogareiros, machados, facões, panelas e por aí afora. Eu sempre tive muita capacidade de carga e espaço, mesmo assim sempre me esmerei em carregar o mínimo do mínimo. 

Enquanto usa de sua filosofia e de um magnífico texto para tentar descrever o que vem a ser qualidade, ele concerta a pobre Honda. As descrições dele sobre o estado dos pneus e de como regular os carburadores são apavorantes.

Creio que a ideia mais desconexa é justamente a frase que eu cresci ouvindo. O autor declara que viajar de moto é diferente por que em uma moto “você faz parte da paisagem”. Bobagem...    Você só vai fazer parte da paisagem se cair e for enterrado ao lado da estrada, como se vê nas rodovias Chilenas. 

Na verdade eu e os amigos do meu grupo tentamos nos isolar do ambiente e de seus riscos à saúde. Nós nos cobrimos de casacos para o frio, usamos jaquetas, calças e botas que tentam nos proteger do clima e do chão em caso de algum evento não planejado, usamos capacetes super silenciosos e luvas extra quentes...  Enfim parecemos mais como astronautas.   

Outros motociclistas usam jaquetas idênticas com espalhafatosos bordados nas costas com o intuito de inseri-los em um grupo maior...   mas nunca para fazer parte da paisagem.  

É verdade que em uma moto a absorção da realidade é muito mais intensa e violenta do que em um carro. Se sente cheiro de tudo imediatamente,  se percebe qualquer mudança no ar que te cerca com muita rapidez e absorve a paisagem com muito mais campo de visão. 

O Motociclista passa muito mais frio, mais calor, fica realmente empoeirado e totalmente encharcado. Na verdade, quanto mais habil, preparado e rápido voce anda, mais fica isolado em seus pensamentos e mergulhado em seu próprio cosmo. 

Viajamos de moto em busca de nossa própria Chautauqua.

Não é beeeem o tipo de hotel que eu gosto...



























Quando fechei o livro pela última vez, lá por setembro de 2013, senti que aquela história é para um viajante diferente, em uma época diferente. O garoto (eu) que leu aquilo nos anos oitenta não existe mais. E fiquei com a certeza de que eu deveria seguir o meu modelo, a minha busca e não adotar o estereótipo de um clássico da literatura do século passado.  

A paisagem passa e tudo o que eu faço, o tempo todo, é encarar a mim mesmo e tentar narrar uma Chautauqua que valha a pena.




"A motorcycle functions entirely in accordance with the laws of reason, and a study of the art of motorcycle maintenance is really a miniature study of the art of rationality itself."  ~Robert M. Pirsig, Zen and the Art of Motorcycle Maintenance



Muchas Gracias Señor!!!


Logo após a publicação do livro, seu filho Chris foi morto durante um assalto. Quem sabe tenha sido este o motivo para ainda mais reclusão. Publicou seu segundo livro somente em 1991.

Em dezembro de 2012,  a Universidade do Estado
de Montana lhe agraciou com um título de doutorado honorário em filosofia


Robert M. Pirsig  - MinneapolisMinnesota6 de setembro de 1928 – Maine24 de abril de 2017.